Bonita, Inteligente ou Só Um Produto em Promoção?
Sobre ser a menina legal num grupo de garotas bonitas e a prateleira do amor.
Quando criança, uma vez fizeram uma atividade que não me lembro bem como foi, mas lembro que, no fim, cada aluno terminou com um origami de 5 pontas, onde cada ponta guardava um elogio de um colega de turma.
Lembro-me bem desse dia, onde as minhas 5 pontas tinham a mesma palavra: "LEGAL".
Minha amiga, de mesmo nome, sentada à minha esquerda, recebeu "bonita ou inteligente" em quase todas as pontas.
Nesse dia, senti uma íntima fagulha no meu interior, algo como inveja.
Eu não queria ser "legal", mas sim "bonita e inteligente". E mais ainda "bonita" do que "inteligente".
"Legal" parecia uma simples eloquência, uma simples atitude de educação:"Não tenho o que pôr, então vou pôr legal."
E no ensino fundamental ser legal não basta, não é a mais legal ou inteligente da sala que recebe os convites para a festa junina ou baile, que é eleita representante de turma, que é escolhida primeiro na educação física ou que sempre tem grupo para os trabalhos.
E uma criança de 11 anos não consegue ligar os fatos: ser a única da sala que não recebia o elogio de "bonita" e também ser a única retinta da sala, e a única de cabelo cacheado — não aquele cacheado padrão, que parece perfeitas espirais e sem nenhum volume , como pregava os anos 2000, mas um cabelo real, meio "peli torti".
Então, eu sempre perguntava a Deus, antes de dormir quando ia rezar o “santo anjo” para afugentar qualquer demônio debaixo da cama, por que eu tinha que ser legal e não bonita?
Assim, ser bonita, logo se tornou uma obsessão. E o ser bonita, para mim, era um padrão inalcançável.
Eu passava horas escovando o cabelo, usando uma maquiagem que me deixava mais branca, passava lápis de olho branco na linha d'água dos olhos, pois queria ser ulzzang (padrão estético coreano que consistia em ter olhos de boneca e cintura fina)
Passava tons leves de batom e esmalte, pois me deixariam mais feminina, e passava fome constantemente enquanto pesquisava no Tumblr dicas para emagrecer com Ana e Mia (apelidos carinhosos para anorexia e bulimia, que eram vendidos como estilo de vida na internet em 2012. UM ABSURDO EU SEI!!!!).
Ainda bem que com o tempo, minha própria identidade gritou alto demais para ignorá-la. Fui me tornando eu mesma, a menina de calça boyfriend, com um estilo meio hippiesterzinha, tive o cabelo rosa e roxo também, e minha personalidade excêntrica parecia chamar um pouco de atenção. E isso tanto afastava quanto atraía pessoas
Mas o cabelo sempre foi uma questão muito forte para a minha autoestima.Era uma batalha intensa decidir se eu seria eu ou se seria bonita...Até entender que há como ser bonita sendo eu. (Faz sentido isso?)
A verdade é que, bem novas, aprendemos que o valor da mulher, acima de tudo, está na aparência.
Como a Valeska Zanello explica no livro "Prateleira do Amor", nós, mulheres, somos, aos olhares masculinos, meros objetos em prateleiras, e como dita o marketing, algumas ficam nas prateleiras de cima - as mais caras, consequentemente as mais magras, loiras e padrão.
Nessa prateleira, não se mede o QI, as capacidades intelectuais, a sociabilidade... nessa prateleira se mede a beleza, mas um cérebro liso, que pouco questione o ego masculino, é sempre um plus a mais.
Lá embaixo estão as negras, gordas, as fora dos padrões, que não servem para ser troféu.
Isso explica por que jogadores e atores sempre pegam o mesmo tipo de mulher.
Pois, quando a mulher se torna um objeto (e muitas se orgulham disso, com o discurso de "esposa troféu"), a aparência cara é o que conta.
E as mulheres leitoras, cientistas, questionadoras, incisivas, ferozes, selvagens...
No livro, não fala em que prateleira essas mulheres ficam, mas eu te digo: ficam naquela cestinha perto do caixa, com aquela plaquinha: "Produtos em promoção".
E isso vai acontecer com toda mulher que ousar ter personalidade. Seremos taxadas de masculinas ou histéricas.
Em algum momento, toda “esquisitinha” há de se tornar bonita para os homens...E eu também, mas eles iam embora mesmo assim.
Inclusive, homens mais velhos pareciam ter medo e decepção ao serem questionados (afinal, nada pior do que você ser um cara de 30 anos, pronto pra manipular uma menina de 16, e ver que ela é "difícil").
Eles corriam porque eu tinha minhas opiniões — e ainda tenho.
E meus valores incontestáveis.
E eu sabia exatamente o que queria.
Acho que isso é o que mais desvaloriza uma mulher nesse mercado patriarcal, opnião própria, mas é o que mais nos ajuda a selecionar bem nossos parceiros.
Saber impor seus valores e saber o que você realmente merece numa situação. E num relacionamento.
O meu sentimento de querer ser bonita continua até então.
Mas hoje almejo uma beleza de olhares femininos, que preza a autenticidade, e não a padronagem de produtos à venda numa prateleira social.
E admito: li esse texto da Lary Palmieri e comentei como preferia ser bonita do que inteligente, 🔗 Texto da Lary Palmieri porque infelizmente a beleza tem vantagem sobre a sabedoria ou capacidade.
E isso continua.
Num mundo atual, onde grande parcela das profissões precisa vender a sua própria imagem atrelada ao seu trabalho em reels de Instagram, ser bonito conta muito pra conseguir uns likes a mais. E isso é uma pena.
No fim, acho que a ideia desse texto é justamente dizer que:
Sejam bonitas, meninas.
Lutem, sim, para serem bonitas.
Mas não só de aparência, mas intelectualmente e espiritualmente.
Cuidem de si, para si mesmas.
Queiram, sim, ser um produto caro , mas não nessa prateleira distorcida dos homens, e sim na nossa própria concepção de valor.
No mais, um beijo e um queijo a todos que me leram até aqui.
Meninas eu andei sumida daqui pois estava fazendo vários relatórios, pois finalmente vou me formar ( dance dance dance) e tô meio doentinha também.
Espero que tenham gostado desse texto é considerem se escrever caso ainda não for assinante e apoiar essa pobre escritora.
E nosso clube do livropara mulheres está com vagas ainda então quem quiser só acessar o link abaixo <3
https://chat.whatsapp.com/KyWpf37RM5E2Vhxs9OFLGN
esse foi um dos textos mais marcantes que eu li na vida, martelou minha cabeça e eu concordo muito com seu pensamento. Por muito tempo fiquei tão focada em um relacionamento que eu cheguei em um ponto de que não soube responder a uma colega a qual estava ainda conhecendo o que EU gostava de FAZER, isso porque não gostava mais de nada, era apenas um produto bonito e desesperado para ser comprado. Poderia ficar horas falando, mas meu principal comentário é que você é uma escritora nata e eu adorei seu texto, parabéns! Nenhuma beleza exterior vale a arte de questionar a própria sociedade e querer voltar-se contra pensamentos impostos sobre nós (ainda mais expor isso).
me identifiquei muito com esse seu texto, Vitória! passei pelo mesmo sentimento de ser a pessoa mais escura da minha turma do fundamental, de ter o cabelo cacheado imperfeito e seguir perfis pro-ana no tumblr tentando me encaixar no padrão de beleza que dava. hoje eu sei que, mais do que a prateleira do amor, esses padrões estéticos existem para nos controlar e nos fazer consumir sem parar, atrás de uma satisfação efêmera. a gente acha que ~quer~ ter um corpo, um cabelo, uma imagem de um jeito, mas tudo isso faz parte de um exercício disciplinar para que estejamos sempre a disposição da aceitação do outro, sendo assim, sem vontade própria (tenho um texto sobre isso, mas está no medium).
é importante que nós entendamos que nunca nenhuma mulher vai se encaixar no padrão perfeito. a que mais esteve perto morreu sozinha e sua história de vida vive sendo recontada cada vez com menos dignidade: marilyn monroe. mas isso não significa que não possamos nos sentir bonitas ou confortáveis dentro de um padrão estético em que podemos unir beleza, confiança e personalidade. vejo que você compreendeu isso e eu também estou compreendendo. é um processo bem longo, mas vai tirando toneladas das nossas costas. 🫂💖