A verdade é que houve um momento da minha infância em que o cristianismo me fez acreditar que ser feliz na vida adulta seria ter um bom marido, sete filhos (sim, eu queria ter sete filhos) e dirigir uma minivan. Isso porque o cristianismo impõe a criação da família como objetivo fundamental da vida, e o catolicismo vai ainda mais fundo, impondo que o uso de qualquer método anticoncepcional é pecado.
Assim, cresci com a ideia de que a mulher livre, que toma decisões sobre o próprio corpo, era algo errado e repulsivo. Por sorte, sempre fui muito questionadora (o famoso terror da catequese), e esses pensamentos não perduraram muito tempo.
Não que eu ache errado uma mulher querer casar, ter filhos ou ser dona de casa. Acredito que isso deve partir da escolha dela, e não de uma imposição social. Mais do que isso, acredito que não precisamos ter sete filhos para sermos boas cristãs.
A questão é que, quando era criança, achava que isso era felicidade porque foi isso que a igreja me vendeu.
Decidi não ter filhos ?
Quando mais nova, também acreditava que a faculdade era um sonho distante, que jamais poderia alcançar. Na minha família, ninguém tinha faculdade, então parecia algo que pertencia apenas às outras famílias. Mas, de novo, o crescimento e o acesso à informação mudaram tudo. A faculdade e a carreira científica se tornaram meus objetivos.
Isso foi mudando, e acabei indo para a psicologia, que, embora seja uma ciência, também tem muito do social, algo que adoro. O problema é que, hoje, minha prioridade é minha profissão e o desempenho acadêmico. Não penso nem planejo ter filhos agora ou nos próximos dez anos. Não é uma decisão definitiva, não quero ter filhos "e pronto", mas talvez um dia mude de ideia e queira.
O Julgamento Social
E isso incomoda. O fato de eu estar em um relacionamento há quase seis anos e não planejar casar e ter filhos incomoda mais do que deveria. E o fato de que, se um dia tomar a decisão, eu queira optar pela adoção. Afinal, tem muitas crianças precisando de amor por aí.
Decidi escrever este texto há um mês, mas estive procrastinando. Mas a decisão veio depois de ficar com raiva porque um cliente do meu namorado, com toda sua simpatia e boas intenções, falou que acreditava que em breve teríamos um filho. Quando falamos que não queríamos, ele disse: "Claro que querem, toda mulher tem que ter filho". Reiterou novamente que em breve seríamos pais. Impaciente e mal-humorada, como sou, soltei baixinho um "Deus me livre", quando na verdade queria responder algo como: "Se quer tanto, faça você um filho!"
A Maternidade e o Patriarcado
A verdade é que precisamos compreender cada vez mais que ser mãe deve ser um desejo, não uma imposição do patriarcado.
Romantizamos demais a maternidade, como se toda mulher tivesse esse "instinto" de ser mãe, e não houvesse nenhuma objetificação maior que essa. Se romantiza a maternidade ignorando toda a sobrecarga que ela impõe às mulheres: a abdução e a demanda financeira.
Sim, estou em um relacionamento de seis anos, mas ainda trabalho meio período porque faço faculdade, ainda preciso ajudar minha mãe financeiramente e ainda tenho só 23 anos. Então, sim, estou no direito de não querer ser mãe agora. Mas, por algum motivo, eu e todas as mulheres somos constantemente julgadas por não querer casar ou ter filhos, ou por casar cedo demais e engravidar cedo demais.
Sempre que alguém sabe que não tenho o desejo urgente e latente de ser mãe, e muito menos de engravidar, escuto frases como "você irá amadurecer", "vai mudar de ideia" ou "depois que tiver filhos, vai se arrepender do que fala", como se fosse absurdo eu não me curvar a uma imposição social, vista como algo quase que biológico. Mas sinto em dizer que não é!
O amor de mãe, como algo sagrado, e incomparável. Não é algo biológico, mas sim social.
José Eustáquio Diniz Alves, no artigo O Mito do Amor Materno e as Políticas Pronatalistas, afirma que: “Na maior parte da história humana, as mulheres tiveram o papel de garantir a reposição da população por meio de altas taxas de fecundidade. Esta era uma ‘imposição’ de uma época em que as taxas de mortalidade eram muito elevadas, especialmente as taxas de mortalidade infantil. A opção existente era: ter muitos filhos ou ver a população diminuir, ou mesmo desaparecer. As mães eram ‘heroínas’ confinadas ao espaço doméstico e da reprodução. Mesmo sendo uma construção social, a maternidade era vista como um instinto, uma tendência feminina inata.”
Ainda acrescenta “Depois que as taxas de mortalidade infantil diminuíram, não tardou a surgir o contra-ataque antifeminista, abrindo uma guerra declarada contra as mulheres independentes, autônomas e empoderadas, buscando reverter a busca feminina pela igualdade. Os setores conservadores, reforçando a divisão sexual do trabalho, dividiram a vida das mulheres em duas: emprego e lar, dizendo que este último era o único caminho para uma existência completa e satisfatória. Se as mulheres resistiam a essa imposição, eram alvos de punições psicológicas e materiais. Num contexto de baixas taxas de fecundidade, as políticas pronatalistas passaram a reforçar o mito do amor materno.”
No mais, não vou me estender muito, pois, se não, vou acabar falando sobre a romantização da maternidade, que tira a mulher do papel de humana, sujeita a erros, e a coloca num pedestal de perfeição que não existe. Mas Isso ficará para um próximo texto.
No fim, quero concluir que ser mulher é ser constantemente criticada por suas escolhas, seja qual for. E essa crítica não vem apenas dos homens, mas também de outras mulheres.
Respeitar as mulheres é entender que ser mãe não é seu único propósito na vida. Mas, para algumas, isso pode ser, e está tudo bem também.
O que quero deixar claro nesse texto é: o valor de uma mulher não está na sua capacidade de procriar, mas na sua liberdade de decidir seu próprio destino.
Então, deixo essa reflexão de Simone de Beauvoir para concluir esse texto escrito com raiva e frustração:
"A maternidade é uma função biológica; mas a mulher é forçada a se ver nela e a ser vista através dela como se fosse sua única razão de ser."
Esse notas de Vênus está mais para notas de raiva então relevem qualquer erros ortográfico <3
Para quem não me conhece sou Vitória tenho 23 anos e estudo a psicologia com viés feminista e recortes de gênero e sexualidade então se tu gostou desse texto venha fazer parte da nossa comunidade.
Um abraço a todos e todas e até a próxima;)
Não tenho namorado: nossa, quem escolhe demais acaba sem ninguém.
Tenho namorado: quando vão casar?
Casei: quando vão ter filhos?
Temos um filho: quando vai dar o irmãozinho?
Supondo que sejam dois meninos: nossa, mas não vai querer ter uma menina?
Supondo que venha uma menina: gente, mas três filhos? pra que isso tudo?
Trazendo verdades 🙂↕️